domingo, 14 de fevereiro de 2010
carne vale @@@
Esta sou eu num carne vale. Com vinte anos a vida tem um sabor que só muito mais tarde descobrimos. Os vinte anos são sempre arrojados! Temos o mundo todo nas mãos. Num intercâmbio de faculdades, fui uns dias para a minha cidade de acolhimento!!! Paris é sempre diferente seja em que altura for. Mas eu conheço-lhe os cheiros, as ruelas, os bas-fond, as pequenas tavernas de comer barato entre vadios, estudantes sem dinheiro como eu, mulheres sem rumo! A pimenta dos pratos não se compara ao picante da vida aí. Somos quatro jovens cheios de fome. Entre risos por tudo e por nada, decidimos: este ano vamos dançar no carnaval. Amanhã será dia de festa numa discoteca brasileira! Eu ri-me. Temos sempre saudades da música da casa mesmo quando o cantar tem outra toada! Pedro avisa-me sobre o meu vestir. A casa onde vamos exige um vestir mascarado a primor, mas garante que vale a pena! Francisca garante que estará no seu ambiente – ela é sempre sofisticada!
Eu rio-me por dentro. Tenho planos feitos há meses. Sei que um ele especial estará lá. Não saberá nunca quem sou. Será meu cavaleiro andante por uma noite, porque assim o decidi. A sedução começará no meu saber estar nessa noite. Sou muito simples no vestir, calças de ganga metidas dentro das botas no inverno, calças à pirata, minissaias, sapatilhas. Mas também gosto da sofisticação de vez em quando.
Mas esta noite não. Francisca olha surpresa para o meu vestido negro estendido sobre a cama. É lindo! Tem um corte tão diferente! Eu sei e mostro-lhe a minha máscara, cobre-me quase todo o rosto e tem uma rosa negra de lado. Mostro-lhe também a minha écharpe negra com pequenas rosas vermelhas que a salpicam e que dão um tom quase estridente ao vestido.
- Jura, Francisca, jura que nunca dirás quem eu sou. Os outros dois também saberão, mas eles já prometeram e eu confio. – Tens planos, não é verdade? Sim, tenho planos para uma noite. Tenho vinte anos e quero conhecer o sabor de um homem. Quero saber o prazer na carne. Mas não digo isto em voz alta. Ela não entenderia. – Juro! Diz ela numa vénia cómica. Eu rio-me.
Sei que não sou bonita, mas sei que sou diferente. Sei do que sou capaz! E aos vinte anos as certezas são enormes. Sei que serei capaz de o atrair, de ser mulher, de ser fêmea à conquista e esta noite será minha. O meu corpo expande-se no querer, neste desejo de dentro que se sente por onde passo. Não me interessa! Esta sou eu em noite de carne vale.
Depois? Depois não interessa, desde que eu mantenha os meus pés na terra. Vou fazer como os meus amigos cubanos dizem, mañana es mañana. Carpe diem, neste caso, a noite e ela é minha.
Diante do espelho sorrio à minha imagem! O cabelo apanhado e escondida a cara na máscara. Tenho paillettes prateadas no corpo todo. O perfume é leve e insolente. O ligeiro toque de batom brilhante na minha boca condiz com as rosinhas vermelhas na minha écharpe. Levo sandálias negras também, leves para eu poder saltar à vontade.
Francisca nem quer acreditar. Tu devias andar mais vezes assim. Pois sim, desde que seja carnaval, rio-me. Os nossos dois acompanhantes ficam pasmados a olhar-me. És mesmo tu? Sou, sou eu em noite de carne vale. Coitado daquele que te quiser esta noite! Eu sorrio e nada digo.
As músicas sucedem-se. Atingi o meu alvo num ápice. Francisca ria-se dos olhos dele brilhantes quando me olhava. O meu amigo já nem repetia eu disse, eu disse. Dói-me os pés das sandálias. Mas hoje tudo é permitido né?
E, de repente, a lambada surge nos corpos suados e brilhantes! O meu batman já não esconde a sua cara. Quer conhecer a minha! A lambada que dançamos deixa-o quase louco! Eu rio-me feliz. Tiro as sandálias e o chão mais fresco é prazer nos pés em fogo. As nossas ancas tocam-se nessa lambada suada. Rindo, o batman diz-me que não me quer cinderela. Não sou cinderela e o meu corpo mostra-lhe o meu agrado. Ele agarra a minha mão e o beijo é intenso e demorado!
Súbito, deixo a lambada. Pego nas sandálias e fujo correndo! Francisca corre atrás de mim. Então?!!! Deixaste pelo menos uma sandália?!!! Abraço-a e num tom cómico trágico grito-lhe bem alto: ele virou sapo!!! Vamos dormir? Já não aguento os meus pés, o som da lambada e o cheiro do tabaco! E a minha língua sabe a papel de música.
No dia seguinte, ela esperava o meu acordar. Conta depressa o que se passou, quero saber tudo direitinho. Eu rio-me. Não estou triste nem desiludida. Um dia eu serei mulher para um homem e não vou precisar nem de máscara, nem de um vestido negro nem que seja dia de carne vale.
Nos dias que faltaram para o meu regresso, passava muitas vezes pelo batman. Ele olhava-me estranho às vezes. Eu pensava que ele era mesmo um sapo. Ficou-me a recordação de poder ter sido cinderela numa história que não encantaria ninguém.
Outro dia, talvez eu conte uma história de encantar com sapos que são príncipes e com belas que são mesmo belas. E sem esquecer que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
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